quarta-feira, 1 de novembro de 2000

ÉPOCA / Gastronomia - 01/11/2000

A turma do avental O prazer de cozinhar leva amadores a cursos de culinária e transforma reuniões de amigos em banquetes Entre goles de xerez, aquele típico vinho branco seco espanhol, o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, controla o ponto do assado e dá folga à política. Gaúcho, de 54 anos, Paulo Renato é o gourmet do poder. Reúne amigos no apartamento funcional, na Asa Sul do Plano Piloto de Brasília, em torno de cordeiros e picanhas. Entrou na cozinha pelo caminho da tradição gaúcha e tornou-se especialista em churrasco. Nos oito anos de exílio vividos no Chile, durante o regime militar, tomou gosto pelos mariscos, prato típico do país. Não parou mais. Hoje, reinventa receitas tradicionais, como o arroz-de-carreteiro. Na versão do ministro, o prato leva doses generosas de tomate. Para as carnes, criou um tempero à base de alho, azeite e pimenta. O cozinheiro acidental só foge da cebola. “Seu eu cortar, passo três dias com as mãos malcheirosas”, justifica. Para evitar o incômodo, repassa a tarefa à empregada. Quando não há tempo, ele não se aperta: usa luvas de plástico. Sem lágrimas nos olhos. Ir para o fogão deixou de ser penosa obrigação para tornar-se fonte de prazer e convívio social. É assim para o ministro e muitos outros aventureiros de avental. Aprendizes de chef lotam cursos para amadores em São Paulo, capital gastronômica do país, onde 75 mil restaurantes garantem mesa farta e variada. Eduardo da Nova Mellone, de 38 anos, é dos mais assíduos freqüentadores de escolas desse tipo. De dia, no comando de sua usina de reciclagem, converte caixas de supermercado em bobinas de papel. Nas noites livres, transforma sabores e aromas. Desde janeiro, Mellone foi 20 vezes ao Atelier Gourmand, uma das escolas de gastronomia paulistanas que mais têm conquistado adeptos. Adolescente, Mellone preparava lasanhas familiares. Depois, presenteou com bolos em forma de coração a namorada, Ana Lúcia, atual mulher. Agora, diverte-se na cozinha equipada com eletrodomésticos de última geração – outra mania. Aberto em novembro do ano passado, o Atelier Gourmand funciona numa casa espaçosa na região dos Jardins, Zona Sul de São Paulo. Na cozinha, cada um dos 12 alunos pilota seu fogão. Recebem ingredientes prontos para uso e seguem orientações de um chef convidado. Podem ir do trivial arroz, feijão e bife ao requinte de pratos à base de trufas ou foie gras. Trocam dicas – e telefones. O lugar é também ponto para novas amizades, sobretudo à noite, na hora de provar os pratos, sempre regados a vinho e boa conversa. ”Cozinhar é um exercício de sedução“, teoriza Fernando Barros, presidente do Instituto Gastronômico Brasileiro, com sede em Brasília. “A comida une as pessoas”, sintetiza Ana Paula Morais, de 31 anos, dona do Ateliê com a advogada Heloísa Bacellar. Ana entrou no negócio depois de concluir duas faculdades e um mestrado em educação infantil, nos Estados Unidos. Queria voltar e abrir uma escola para crianças, mas decidiu, primeiro, passar um ano em Nova York. Fez vários cursos de culinária e mudou de planos. “Larguei tudo para cozinhar”, conta. A apenas uma quadra do Ateliê Gourmand, também nos Jardins, está a Spicy, loja de utensílios de cozinha importados. Para aficionados, mais parece um parque de diversões. A proprietária, Ângela Cutait Vasto, de 31 anos, montou um balcão em que chefs famosos ensinam a amadores mais ou menos experientes receitas que fazem a fama de seus restaurantes. Depois da aula, a comida e o vinho juntam executivos estressados, gourmets de todas as idades ou donas-de-casa em busca de um dia-a-dia mais criativo. O interesse pela boa mesa no Brasil é fenômeno recente e em expansão. Coincide com a abertura do mercado aos produtos importados, como arroz e massas italianas. Mas, para Josimar Mello, de 46 anos, crítico de gastronomia do jornal Folha de S.Paulo e autor de guias de vinhos e restaurantes, prateleiras repletas de rótulos estrangeiros não justificam tal comportamento. “Essa oferta não garante o florescimento de uma cultura gastronômica.” Mello prefere acreditar que a procura por cursos especializados é mais um passo no caminho da qualidade de vida. “As pessoas preocupam-se hoje tanto com direitos civis quanto com o ar que respiram. E estão mais atentas ao que comem”, diz. O crítico acaba de lançar na internet o portal www.basilico.com.br. Além de receitas, divulga informação qualificada para quem quer entrar no assunto. Há 20 anos, quando lidar com panelas não era atividade das mais glamourosas, Wilma Kövesi abriu uma escola de culinária no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Queria ensinar o bê-á-bá às filhas das amigas. Hoje, o perfil dos interessados mudou. E a cozinha também. “Naqueles tempos, receita para dias especiais era ‘receita fina’. Quanto mais complicada, melhor”, lembra Wilma. “Hoje, sofisticação pode bem ser uma abobrinha com alecrim.” Sabores cariocasConfraria se diverte com o risco de combinações exóticasO diretor de TV Carlos Manga é um destemido nacionalista à beira do fogão. Faz feijoadas completas para acompanhar vinhos nobres. Para degustar um Bordeaux Poiac Gran Cru, safra 1966, serve, sem cerimônia, torresmo e lingüiça. E uma panelinha com caldo de feijão fumegante. À mesa, reúne os integrantes de uma confraria que costuma almoçar às terças-feiras, no Rio de Janeiro, em endereços alternados: o músico Ed Motta, o ex-diretor da divisão internacional da Rede Globo Jorge Adib, o empresário Miguel Pires Gonçalves e o campeão mundial de bridge Gabriel Pinheiro Chagas. O inusitado casamento – feijoada com vinho francês – não inibe o grupo. “É uma heresia“, admite Chagas. ”Achei que iam estranhar”, confessa Manga. ”Torresminho é puro Guimarães Rosa”, divaga Ed Motta, autor de um famoso cordeiro com tâmaras ao vinho tinto. O chef mais conceituado do grupo é o consultor da TV Globo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. A cada 15 dias, cede a casa para a reunião dos amigos. Tornou-se um expert em paellas. “Ele é o número 1 na confraria”, diz Adib. Gonçalves pode gabar-se dos risotos. “Tenho sempre caldos preparados na geladeira. Não uso aqueles quadradinhos artificiais.“ Clóvis Saint-Clair, do Rio Na escola, atentos às aulas de Wilma ou de chefs experientes, adolescentes convivem com sexagenários. Maridos querem ajudar esposas atarefadas. Alguns procuram novidades para ganhar aplausos no fim de semana. “Restaurantes estão caros“, diz Betty Kövesi, filha de Wilma, administradora dos cursos e professora dos gourmets mirins. Marcelo Weber, de 36 anos, é engenheiro na firma de instalações industriais do pai. Cuida das finanças. Troca com prazer o controle das cifras pelas medidas das receitas de Wilma. Ele apurou o paladar em viagens por Israel, Índia, Egito, Nepal e Tailândia. Nos fins de semana, alterna-se entre a churrasqueira da casa de praia e o fogão a lenha do sítio de Ibiúna, em São Paulo. “Gosto de comer bem, mas nunca havia colocado a mão na massa”, confessa o autor de afamados bifes à milanesa com cobertura crocante. Weber quer progredir. Depois de passar inesquecíveis férias no sul da França, região que recende ao aroma das ervas mediterrâneas, quer desenvolver os truques da culinária provençal. “Cozinhar para quem aprecia é quase um trabalho intelectual, há uma enorme troca de informações.” Trocar dicas com o chef Alessandro Segato é um dos atrativos do Ateliê de Alta Gastronomia, inaugurado há um ano. Segato, um italiano de 26 anos, chegou ao Brasil em 1995, a convite do restaurateur Rogério Fasano. Hoje, prepara-se para abrir o próprio negócio na capital paulista. O curso funciona em sua casa, nos Jardins. No quintal, a horta fornece os temperos. Os grupos compartilham as experiências culinárias na longa mesa da sala, entre cristais e prataria franceses. “É um pequeno mundo da gula”, diz Segato. Anira Verdi, de 53 anos, aluna, penetrou nesse universo apenas pelo prazer de juntar amigos. Criou, com o professor, uma confraria no requintado apartamento de frente para o Parque do Ibirapuera onde vive com o marido, o empresário Waldemar Verdi Jr. “Saber como misturar ingredientes e montar pratos sedutores é interessante, até para quem não é expert.” Paulo Ricardo Baroni nasceu especialista. A beira do fogão era o lugar preferido da casa desde a infância, quando via a mãe preparar pratos italianos. Aos 17 anos, hora de dar rumo à vida profissional, a paixão pela culinária explodiu. A pressão do pai, no entanto, levou-o a um curso de administração e à indústria da família. O resultado, uma tremenda frustração. Até o dia em que virou a mesa, às vésperas do aniversário de 30 anos. Em janeiro, encontrou-se nos cursos do Atelier Gourmand. Na mesma noite, matriculou-se pela internet na Faculdade de Gastronomia Anhembi-Morumbi e decidiu: abriria um restaurante. O sonho chama-se Empório da Lata e será inaugurado em 12 de setembro, na paulistana Vila Madalena, com o amigo Eduardo Duó. Baroni fez mais de 40 cursos, um deles em Florença, na Itália. Recuperou receitas caseiras. “A imagem da mãe cozinhando, os cheiros e gostos guardados por toda a vida vieram à tona”, revela. Ele incluiu no menu o prosaico nhoque ao sugo. Tempera-o com memórias da infância. O sabor é inimitável. Objetos de desejoUtensílios importados para sofisticar a cozinha gourmetTermomixSubstitui vários aparelhos: tira temperatura, calcula tempo, faz massas, mói, pesa e tritura Fogão DCSAmericano, é um dos preferidos pela precisão do forno, pela graduação da chama e pelo isolamento térmico. Também há bons modelos de fogões industriais, mais rústicos Batedeira kitchen aidCom design moderno e motor resistente, suporta bem o preparo de massas, pães e bolos. Funciona em várias velocidades Panela le creusetFrancesa, feita de ferro e esmaltada, serve para o preparo de qualquer prato SERVIÇO Atelier Gourmand (SP)Tel. (11) 3060-9547 e-mail: agourmand@uol.com.brEscola Wilma Kövesi (SP)Tel. (11) 3082-9151www.wkcozinha.comAteliê de Alta Gastronomia (SP)Tel. (11) 852-8192Spicy (SP)Tel. (11) 852-8377www.spicy.com.brEscola Le Cordon Bleu (DF)Tel. (61) 307-2941e-mail: cet@unb.brEscola Kate White (BA)Tel. (71) 329-5679Centro de Culinária Elíbia Portela (BA)Tels. (71) 351-1045/358-3159www.elibiaportela.com.brIn House (RJ)Tels. (21) 494-6204/494-5969As Marias (RJ)Tels. (21) 287-6587/247-9630 Confira as dicas para equipar a sua cozinha

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