domingo, 18 de fevereiro de 2001

Jornal Valor / Palavra do chef 16,17 e 18/02/2001

Você tem fome de quê?
"Psicologia dos alimentos" desvenda o que há por trás das escolhas feitas à mesa
por Ana Paula Moraes, para o valor
Tudo começou quando passei a frequentar restaurantes diariamente.
Reparei que a mesma pessoa pedia pratos e bebidas diferentes conforme o humor. Após três meses, eu já sabia prever o estado emocional de um cliente mais assíduo, só observando o que estava sobre a mesa. Uma taça de vinho tinto significava bom humor; suco de laranja, doença; vodca; um problemão.
E você, tem fome de quê? Qual é a primeira imagem de comida que vem à sua mente? E bebida? Pouca gente para analisar, mais o que escolhemos para comer e beber tem muito a ver com o estado emocional daquele momento.
Uma pessoa deprimida não tem cara de quem toma sorvete. Como diz a escritora e banqueteira Nina Horta, "o sorvete tem um pique de alegria que a tristeza não aguenta". Um neném não combina com "foie gras", nem tampouco um garotão "sarado" com mingau. Criança parece odiar tudo o que é verde, já as mocinhas adolescentes, que largaram a fralda há tão pouco tempo, vivem atrás dele. Ninguém pede mais salada do que mulher solteira.
O que come uma pessoa apaixonada? Vento. Quando estamos apaixonados, nos alimentamos de pensamento. E as loiras? Segundo alguns chefs de cozinha, o cardápio oficial consiste em carpaccio, estrogonofe e creme de papaia.
A bebida também diz muito. Tomar um suco, um vinho ou uma vodca é muito diferente.
Dizem que vinho não se toma, se degusta. Quanta alma e história há por trás do buquê de uma taça de vinho. E por falar em alma, a água-de-coco é a campeã da natureza. Mesmo sob o sol de 38 graus da Bahia, a água consegue ficar fresca. Ela repõe os sais minerais e acalma o organismo com uma agradável sensação de pureza.
A chamada "psicologia da alimentação" nasceu no século XVIII com a publicação da "Fisiologia do Gosto", de Brillat - Savarin. Ficou esquecida por muitos anos, mas o boom gastronômico da última década fez renascer o assunto. A brasileira Nina Horta foi uma das precursoras do assunto no país. Seu livro "Não é Sopa", tornou-se leitura obrigatória para os amentes da gastronomia.
Ao meu ver, existem duas maneiras para se enxergar um alimento (ou bebida). Uma - que parte do todo para dentro e qualquer aluno de nutrição pode explicar melhor do que eu - é chamada "composição química dos alimentos". Nela, o alimento vira uma substância e é quebrado em proteínas, cálcio, fósforo, ferro, vitaminas... A segunda é bem mais complexa. Nela, o alimento é visto como um veículo que transporta para dentro do seu corpo uma carga de energia. O mesmo alimento pode ter uma quantidade de energia completamente difierente, conforme a situação.
Imagine você que, pela manhã, bem cedo, uma mãe foi à feira e escolheu a dedo os ingredientes para fazer um picadinho. Voltou para casa e preparou durante horas o prato favorito do filho. Numa segunda casa, uma mãe ocupada, cheia de trabalho a fazer, abre o freezer e em cinco minutos descongela um picadinho comprado pelo "delivery" de uma grande rede de supermercados.
Vamos supor que ambos tenham exatamente a mesma composição química. Será que os dois também têm a mesma carga energética? É claro que não.
Quando eu dou uma receita aqui na escola, brinco com os alunos que todas têm um ingrediente faltando: energia. Esse ingrediente depende muito do estado de espírito da pessoa que o preparou. No Atelier, 12 pessoas cozinham ao mesmo tempo, os ingredientes já vêm pesados e são idênticos para todas as bancadas, no entanto, nunca vi duas receitas saírem iguais. A explicação, a meu ver, só pode ser uma: ao cozinhar, você transfere para a comida uma carga energética capaz de modificá-la positivamente ou negativamente.
Quando penso nisso, lembro de uma palesta que dei numa universidade de nutrição em São Paulo.
Antes de começar minha apresentação sobre a psicologia da alimentação, uma aluna fez uma pergunta à palestrante que me antecedia. "Eu não entendo porque aquela moça não melhorou se demos exatamente a quantidade de proteína que o organismo dela precisava".
Quando acabei a minha palestra, disse a ela. "Provavelmente a moça não precisava só de proteínas.
Experimente usar o alimento para transferir energia positiva para o corpo dela".
Muitos alunos de nutrição estão saindo da universidade míopes. Eles são craques em destrinchar uma alimentação balanceada, mas esquecem completamente que o alimento leva para dentro do nosso organismo muito mais que colesterol, proteínas ou calorias.
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Ana Paula Moraes é sócia da escola de culinária Atelier Gourmand.
RECEITA PARA O PICADINHO
Um toque especial de catupiry
INGREDIENTES:
500g de colchão mole moído duas vezes
1 cebola pequena picada
1/4 de xícara de chá de óleo
2 tomates sem pele e sem semente picados
800ml de água (aproximadamente)
11/2 colher de sopa de catupiry
1 colher de sopa rasa de catchup
1 colher de sobremesa de mostarda
1 colher de sobremesa de molho inglês
cheiro-verda a gosto
sal
pimenta-do-reino moída na hora
Guarnição
Rodelas de banana
MODO DE FAZER:
  1. Aquecer o óleo em uma panela. Adicionar a cebola e deixar dourar. Adicionar a carne moída e mexer até que todo o vermelho desapareça e os grãos fiquem soltinhos.
  2. Adicionar o tomate e mexer. Adicionar a água. Tampar a panela e deixar cozinhar em fogo médio por 1 hora.
  3. Quando a água secar, adicionar o catupiry e os demais condimentos. Deixar apurar por 3 minutos.

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