domingo, 8 de outubro de 2000

Jornal Valor/ Palavra do chef - 06,07e 08/10 de 2000

Comportamento na cozinha pode revelar a sua personalidade. Por Ana Paula Moraes, para o valor
Temperamentos, sabores e emoções
Quando voltei ao Brasil depois de concluir meu mestrado em Psicologia do desenvolvimento infantil, pela Universidade de Cornell, em Nova York, e resolvi abrir uma escola de culinária, cheguei a pensar que estava jogando dez anos de estudo fora. Ninguém acreditava que eu iria abandonar a minha carreira para pilotar um fogão.
No início, as profissões pareciam muito diferentes. Para quem olha de fora, asar um pão em nada se assemelha com a qualidade do vínculo emocional de uma criança. Mas, no fundo, minha tese envolvia coletar informações sobre a maturidade emocional sem que os adultos ou crianças envolvido percebessem. Para isso usava desenhos. Fiz uma verdadeira ginástica artística para coletar informações que hoje, eu percebo, estão aí, ao redor da nossa mesa todos os dias.
Depois de conviver um ano com centenas de alunos, percebo que a psicologia da alimentação é riquíssima e começa muito antes de as pessoas se sentarem à mesa.
Sobre esse assunto, tem um livro excelente, chamado "Tender at the Bone" - algo como "sensível até os ossos" -, que ganhei de um amigo.
A autora Ruth Reich, conta que era capaz de aber o humor da mãe apenas abrindo a geladeira.
E isso é bem verdade. O que compramos e o que somos capazes de produzir com aquele alimento diz muito do nosso estado emocional. Já vi pessoas comprar meio supermercado sem ter a menor idéia do que vão fazer com tudo aquilo. O pior é que, na maioria dos casos, elas acabam comprando justamente aquilo de que não precisam.
Ansiedade, insegurança, negativismo, preserverança e sociabilidade são apenas alguns dos traços facilmente revelados na cozinha. O ansioso abre o forno 30 vezes para ver se o bolo está pronto; o inseguro, na dúvida , dobra a receita; o pessimista é o autor do sufê mais baixo; o perseverante deixa empelotar o molho branco e pede novos ingredientes para repetir a receita; já o sociável sempre está disposto a dividir a manteiga com quem precisar.
Além de despertar comportamentos externos, a comida também desperta em nós emoções. A "comida da alma", expressão da Nina Horta, é aquela que conforta que tem sabor da infância. É aquela que está perdida no tempo e parece nunca mais voltar. O bifinho, o bolo ou o mingau não teriam hoje o mesmo sabor. A comida da alma é normalmente muito simples e desprentensiosa. Nunca vi uma pessoa dizer que sente saudades da terrine de legumes do Mediterrâneo. É como essa receita de bolo de banana que resolvi compartilhar com vocês. Ganhei de um feirante de que gosto muito, o "seu" Miguel. Durante anos eu comprei banana dele. Hoje mudei de bairro, mas a feita do Pacaembu continuará sendo para mim o lugar mais perfeito para comprar esses ingredientes da alma. Também percebi que a comida da alma é muito ligada a imagens femininas. Ainda não encontrei uma receita dizendo bolo de fubá do tio João ou do vovô Antônio.
A psicologia da alimentação existe e é fascinante. Todos os dias eu alimento os meus fermentos de pão.
São culturas de lactobacilos que trouxe de diversos lugares do mundo. Obviamente essas culturar são influenciadas pro fatores físicos, tais como a qualidade da farinha, a umidade, a temperatura do ar, a água. Mas existe um outro fator que altera o crescimento dos meus fermentos: o meu estado de espírito.
Há dias em que a cultura está explodindo, cresce o dobro do normal. Já durante uma semana que estive atarantada e deixei uma funcionária - que achava aquilo tudo uma grande bobogem - alimentar os meus "filhos", não preciso dizer que meus "levains" quase não cresceram.
Coincidência ou não, uma das minhas culturas morreu quando me separei.
Hoje, acredito que se tivesse de escrever minha tese novamente, não precisaria ir tão longe. Na minha mesa existe um banquete de informações.
Quem sabe um dia isso vire um doutorado.
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Ana Paula de Moraes é proprietária do Atelier Gourmand e estudiosa de gastronomia
BOLO DE BANANA PACAEMBU
Uma receita com sabor de infância
Ingredientes:
2 xícaras de chá de açúcar
1 xícara de cha de manteiga
2 xícaras de chá de farinha de trigo
1 xícara de chá de maisena
2 ovos
2 colheres de chá bem cheias de fermento
1 copo de leite
8 bananas nanicas maduras
4 colheres de sopa de açúcar para a calda de caramelo
Modo de fazer:
  1. Utilize uma fôrma de alumínio redonda. Pique as bananas em tiras compridas e finas e reserve-as. Leve a Fôrma com as 4 colheres de açúcar sobre a chama baixa do fogão.
  2. Mexa devagar até o açúcar derreter. Espalhe a calda por toda superfície. Grude as tiras de banana na calda derretida, de forma a cobrir todo o fundo e laterais da fôrma e reserve-a.
  3. Bata na batedeira o açúcar e a menteiga até obter uma mistura homogênea. Adicione em seguida os ovos, a maisena e a farinha de trigo.
  4. Depois adicione o leite e o fermento.
  5. Despeje a massa sobre as bananas e leve para assar em fogo médio por cerca de uma hora.
  6. Deixe o bolo descansar por dez minutos dentro da própria fôrma e depois desenforme.

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