quinta-feira, 26 de maio de 2005

Folha Online - Equilíbrio - 26/05/2005

  




Cozinhar pode ser caminho para mudanças sociais e pessoais MARCOS DÁVILA da Folha de S. Paulo No século passado, o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) dizia: "Não pense, cozinhe!". Em 1975, o médico nova-iorquino Louis Parrish passava a receita: "Se você consegue organizar sua cozinha, consegue organizar sua vida", no livro "Cooking as Therapy: How to Keep Your Souffle Up and Your Depression Quotient Down" (algo como: cozinhando como terapia, como manter seu suflê alto e o seu nível de depressão baixo).Para a professora de terapia ocupacional Elisabete Mangia, da Faculdade de Medicina da USP, nenhuma prática é "em si terapêutica". "O que determina é o contexto. Cozinhar também pode ser estressante", afirma.De acordo com a professora, é preciso atribuir ao ato de cozinhar um valor simbólico, ritualizar. "É importante reapropriar essas formas de sociabilidade que estão sendo perdidas neste contexto de individualização das relações, em que os encontros são virtuais", diz.Em uma comunidade na internet sobre culinária e gastronomia, o matemático francês Gérard Olivier iniciou uma discussão defendendo que aprender a cozinhar pode ser um caminho para mudanças sociais e pessoais. Segundo ele, compartilhar técnicas e receitas de cozinha estimula a criatividade, fortalece os relacionamentos e serve como ponte entre gerações e culturas diferentes.Olivier acredita que "o jeito passivo e sistemático de cozinhar com microondas ou de pedir comida em casa causa um impacto negativo em muitos países". "Alguns programas de reabilitação para famílias usam o preparo de refeições comunitárias para fortalecer as relações", diz o matemático. Por outro lado, Olivier afirma que as escolas de culinária ainda têm uma imagem esnobe por conta de algumas "caricaturas de chef" que compram mil utensílios e adoram citar ingredientes com nomes complicados. A advogada e professora de culinária Heloísa Bacellar, 42, dona da escola de culinária Atelier Gourmand, em São Paulo, afirma que muita gente chega para aprender com medo de errar. "É preciso desmitificar que cozinhar é difícil e trabalhoso. É só ter princípios básicos de organização", afirma.Segundo ela, a escola foi concebida para atender a um público amador que quer aprender a fazer alguma coisa para o dia-a-dia. "As aulas são interativas, cada aluno tem sua própria bancada e seu próprio fogão", diz. Muitos dos jovens que procuram o curso foram criados por mães que não cozinhavam e não tiveram com quem aprender.A designer de interiores Cristiane Belodi, 27, nunca se interessou pelo fogão. Com a data de casamento marcada para setembro, no entanto, resolveu fazer o curso de culinária."Precisava aprender o básico, como fritar cebola", diz. Depois de algumas aulas, já ostenta um cardápio com quiches, massas e carnes, entre outros pratos."Sempre tive quem fizesse por mim. Não gostava porque eu não sabia, achava que era muito difícil. É claro que nas primeiras vezes dá um pouquinho errado", afirma ela, que assumiu o lugar da mãe na cozinha de casa e diminuiu o gasto com restaurantes."É extremamente prazeroso agradar a uma pessoa com um prato. Me sinto realizada, vejo que não dependo de ninguém", diz. Um dos primeiros a experimentar o novo dote da designer foi o noivo. O menu: filé mignon com molho de mostarda. Enquanto cozinhava, Cristiane não parava de pensar em um bom delivery para ligar se o filé virasse sola. "Ele adorou", pensou a noiva, aliviada, depois de vê-lo comer a primeira garfada. O casamento está de pé.

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