domingo, 9 de setembro de 2001

Gazeta Mercantil/ Gourmet - 06, 07, 08 e 09/09/2001

GOURMET
CULINÁRIA FRANCESA
Nos domínios de Ducasse
Culinarista paulistana conta como foi a experiência de conhecer as três casas que o estrelado chef mantém em Paris.
* PAULA MORAES
de Paris
Degustação vertical é o nome dado à experiência de se tomar o mesmo vinho de safras diferentes: já a degustação horizontal funciona ao contrário, são vinhos diferentes, de produtores distintos ou não, todos da mesma safra.
Em maio deste ano, tive a sorte de experimentar algo semelhante, mas em lugar do vinho estavam as três casas de Alain Ducasse em Paris.
Há quem ache um exagero, mas há quem o considere o Shakespeare da cozinha. Afinal, fazer parte do restrito círculo dos chefs "Três estrelas" do "Michelin" já é, por si só, um motivo de grande prestígio. Monsieur Ducasse conseguiu a proeza de possuir dois restaurantes condecorados pelo exigente guia francês. A razão de tanto sucesso provavelmente reflete a competência de desempenhar várias tarefas com perfeição.
Quando conseguimos a reserva para jantar do Ducasse de Paris fiquei emocionada.Para muitos parece só mais uma reserva, mas para mim que trabalho com gastronomia aquele cartão do Hotel Plaza parecia um bilhete premiado. Nunca tinha jantado num restaurante três estrelas e aquela noite foi o meu batismo.
A decoração do restaurante no Plaza Athénée talves tenha sido o ponto fraco da noite, mas as iguarias que estavam por vir em muito superaram o estilo desarmonioso do salão. Numa mesa no canto do restaurante apreciei cada detalhe à minha volta. O grande living de estilo clássico francês passou por uma grande reforma para receber o restaurante de Ducasse.
Vários detalhes quebraram bruscamente a prosposta inicial. Os maravilhosos lustres de cristal são "embalados" por tubos de metal. As cortinas longas de seda deram lugar a panos retos, despojos, que mais parecem peças provisórias. Na entrada, um biombo metálico revestido de carpete cinza dá um toque tão deselegante que lembra entrada de um cinema. Ao lado da cozinha, uma obra de arte chamou a atenção: umtotem grande gravado com diversos nomes, cada um deles representando uma diferente técnica culinária.
O desfile de pratos começou com uma "amuse-bouche" de aspargos.
A maioria dos chefs costuma descartar o talo dos aspargos porque são mais firmes. Monsieur Ducasse remove a extremidade verde com descascador de legumes, formando perfeitos anéis brancos. Depois polvilha "fleur de sel" e parmesão. Ao lado, lascas finas de trufas de verão e um molho perfumao de Sauterne. Para decora, em vez da banal salsinha, o chef opta pela simplicidade com talo de aspargo branco cortado ao meio e grelhado, harmonizando cor e simetria.
Ao todo foram sete pratos inesquecíveis. O que mais me seduziu, pasmem, não foi a comida propriamente dita, mas a textura impecável dos ingredientes e a apresentação dos pratos. Uma das entradas, à primeira vista, parecia um simples ovo com caviar. Só que na realidade, a clara era um creme moldado com uma mousse de gemas no centro. Um verdadeiro manjar! O filé de robalo veio disposto numa pintura de couve e batata. Tinha a companhia de um sorbet de berinjela. O serviço foi simplesmente impecável. Todos os pratos, copos, talheres e toalhas foram criados exclusivamente para chez Ducasse. Nenhum prato chega à mesa sem um detalhe que arranque elogios. O simples chocolatinho, que em qualquer lugar é servido num prato de sobremesa, lá vem acomodado numa caixinha de louça Limoges. O tradicional baba ao rum tem um talher especial para a sua degustação.
A massa do doce explode na boca, dando um contraste de temperatura e liberando um agradável perfume de abacaxi. Na saída, o toque final: cada cliente recebe de presente um pão quentinho e o menu do jantar que acabou de degustar.
E nem é preciso um paladar aguçado para compreender que cada alimento foi preparado na perfeição. Um bom jantar não é aquele do qual nos lembramos apenas o que comemos, mas o que transmite emoção. Comecei anotando tdo que estava sendo servido. Queria compreender a técnica e a montagem de cada prato, mas num determinado momento guardei o bloquinho, pois jamais poderei recriar aquela experiência única.
Para muitos, poder escolher a marca do conhaque que será usado para flambar a sombremesa é uma extravagância desnecessária. Mas a verdade é que num restaurante três estrelas não basta a comida ser boa, ela tem de ser criativa, inesperada e capaz de arrancar dos clientes um olhar arregalado e um sorriso de curiosidade.
O segundo restaurante visitado chama-se 59 Poincaré, fica no 16º arrondissement de Paris. Este deixa a desejar. Não que a comida não seja boa, mas o conjunto não está àltura dos demais. Na lateral do restaurante, uma grande geladeira ocupa toda a extensão da parede. a primeira impressão é agradável, afinal, o colorido dos alimentos é maravilhoso, especialmente na época dos aspargos gigantes da Alsácia. Mas no decorrer do jantar, aquela atmosfera fria intimida qualquer emoção que a comida possa revelar. A carta de vinho curta e pouco criativa abrevia ainda mais o prazer do momento.
A melhor relação custo-benefício, é de longe o Spoon. Mas jovem que o Ducasse do Plaza e muito mais envolvente que o 59, o Spoon já virou marca registrada de bom gosto, inovação, criatividade e excelência em gastronomia. A mesma preocupação com detalhes se faz presente. As mesas têm um toque todo especial, pois a toalha passa por dentro delas.
As louças não são Bernardaud, mas são peças exclusivas de cerâmica de extremo bom gosto. Para servir, monsieur Ducasse abandona o desing tradicional dos talheres em favor de peças modernas e arrojadas.
A comida é criativa e bem executada. Oatum grelhado, imperdível, e para quem gosta de comida oriental uma variedade de opções se estende do clássico sushi à raia laqueada. Os intressados somente numa refeião rápida contam com o menu de sanduíches criativos. Pra a sobremesa, o garçom ofereceu um cheesecake de tirar o fôlego, mas também recomendo a pizza "au chocolat" ou o "pain perdu". Não é à toa que o Spon já tem filial em três países. Quem sabe um dia ele chegue ao Brasil.
*Paula Moraes
é proprietária e chef da escola de culinária Atelier Gourmand em São Paulo.
Especial para a Gazeta Mercantil.
SALTIMBOCCA DE VITELLA
(receita de Alain Ducasse, Rendimento: 4 pessoas)
INGREDIENTES:
800g de filé mignon de vitela
6 fatias finas de presunto San Daniele
1 cenoura
1 cebola
1 aipo
2 ovos
100ml de leite
100g de farinha de rosca
100g de farinha de trigo
2 folhas de sálvia
50ml de caldo de vitela
30ml de azeite de oliva para cozimento
50ml de manteiga clarificada
15g de manteiga
Guarnição
600g de cogumelos girolles
40 cebolinhas grelots
12 pétalas de tomates confit
150ml de óleo oliva para cozimento
50g de tomate picadinho
40g de manteiga
50ml de caldo de vitela
1/2 maço de salsa
1/2 maço de manjerona
vinagre de vinho
fleur de sel (tipo de sal)
MODO DE FAZER:
  1. Limpe o filé mignon de vitela, retire as nervuras se preciso, e corte 12 escalopes de 50g de cada.
  2. Raspe, lave e corte em tiras finas a cenoura, a cebola e o aipo. Coza este último no vapor até ficar branco e marine em 5 colheres do caldo de vitela sem gordura. Retire e deixe esfriar imediatamente.
  3. Prepare um creme inglês salgado batendo uma mistura de ovos, leite, 3 colheres de azeite de oliva, sal e pimenta. Passe pelo chinois. Abra as fatias de presunto, tire a gordura e corte em dois.
  4. Coloque sobre cada meia fatia uma pequena porcão dos leguems cortados, um pedaço de folha de salsa e uma piccata, depis divida o presunto de modo que fique do mesmo tamanho dos escalopinhos. Passe o saltimbocca do lado do presunto na farinha de trigo, depois no creme inglês e, por fim na farinha de rosca. Só este lado será empanado.
  5. Aqueça a manteiga clarificada numa panela e frite os saltimbocca em fogo forte, do lado empanado. Quando estiverem meio cozidos, junte um colher de sobremesa de manteiga e continue a cozer em fogo brando. Assim que a farinha de rosca adquirir uma bela coloração, volte a fogo alto e acabe o cozimento.

Guarnição

  1. Retire a raiz das cebolinhas, acrescentando sal e açúcar, depois cozê-las em caçarola de ferro com tampa, com 20g de manteiga, deixando caramelizar ao final do cozimento. Lave e seque a salsa.
  2. Escorra os pedaços de tomates confit. Lve diversas vezes os cogumelos girolles e retire a parte terrosa da base, sem deixá-los se partir. Repita a operação até retirar totalmente a areia e a terra.
  3. Escorra os cogumelo. Tempere-os e os doure rapidamente em duas colheres de azeite de oliva em uma frigideira. Depois, caramelize-os com 20g de manteiga, antes de juntar a salsa, as cebolas carameladas e os pedaços de tomates secos.
  4. Aqueça a mistura de tomates com o caldo de vitela numa panela rasa, a sauté, e junte as folhas de manjerona, previamente lavadas e secas.

Acabamento e Apresentação

  1. Distribua os saltimbocca nos pratos, rodeie-os com os cogumelos, cebolas e pedaços de tomate.
  2. Moa um pouco de pimenta em cima. Corrija o sal do caldo de vitela com tomate e sirva à parte com um pouco de vinagre de vinho antigo.

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